Meu filho construiu uma família onde não tenho lugar

newskey24.com 6 dni temu

O meu filho construiu uma família onde não tenho lugar

Chamo-me Manuel. Tenho 72 anos. Vivo sozinho numa casa antiga nos arredores de uma pequena aldeia, onde outrora tudo era cheio de vida. Aqui, neste quintal, o meu filho corria descalço pela relva, chamava-me para construir cabanas com lençóis velhos, juntos assávamos batatas nas brasas e sonhávamos com o futuro. Naquela época, acreditava que esta felicidade duraria para sempre. Que eu era necessário, importante. Mas a vida segue o seu rumo, e agora, a casa está silenciosa. Pó na chaleira, um arranhão num canto, e os latidos ocasionais do cão do vizinho atrás da janela.

O meu filho chama-se António. A mãe dele, a minha falecida esposa Maria, partiu há quase dez anos. Depois disso, ele ficou a ser a única pessoa próxima de mim. A última ligação a um passado onde ainda havia calor e significado.

Criámo-lo com amor e atenção, mas também com firmeza. Trabalhei muito, as minhas mãos nunca conheceram descanso. Maria era o coração da nossa casa, e eu, as suas mãos. Nem sempre estava presente, mas quando era preciso, lá estava. Subordinado ao trabalho, mas pai em casa. Ensinei-o a andar de bicicleta, arranjei o seu primeiro carro, um velho Fiat, com o qual partiu para estudar no Porto. Tinha orgulho nele. Sempre.

Quando o António se casou, a minha alegria foi imensa. A noiva dele, a Joana, pareceu-me reservada, discreta. Mudaram-se para o outro lado da cidade. Pensei: tudo bem, que vivam a sua vida, que construam algo. E eu estarei aqui para os ajudar, para os apoiar. Imaginei que me visitariam, que poderia tomar conta dos meus netos, ler-lhes histórias à noite. Mas nada aconteceu como esperava.

Primeiro, foram chamadas breves. Depois, apenas mensagens nos feriados. Fui lá várias vezes por minha iniciativa com um bolo, doces. Uma vez, abriram-me a porta, mas disseram que a Joana estava com dor de cabeça. Outra vez, a criança estava a dormir. E na terceira, nem sequer abriram. Depois disso, deixei de ir.

Não fiz cenas. Não me queixei. Sentei-me e esperei. Dizia a mim mesmo: eles tęm os seus problemas, o trabalho, os filhos vai acabar por se resolver. Mas o tempo passou, e percebi: não há lugar para mim na vida deles. Nem sequer no aniversário da morte da Maria apareceram. Apenas uma chamada e nada mais.

Há pouco tempo, cruzei-me com o António por acaso na rua. Ele segurava o filho pela mão, carregava sacos. Chamei por ele o meu coração apertou-se de alegria. Ele virou-se, olhou para mim como se fosse um estranho. «Pai, está tudo bem?», perguntou. Acenei com a cabeça. Ele fez o mesmo. Disse que estava com pressa. E seguiu caminho. Foi assim o nosso encontro.

Caminhei muito até chegar a casa. Pelo caminho, perguntei-me: onde falhei? Porque é que o meu próprio filho se tornou um estranho para mim? Talvez tenha sido demasiado severo? Ou pelo contrário, demasiado brando? Ou talvez simplesmente me tenha tornado um incómodo com as minhas memórias, a minha velhice, o meu silęncio

Agora, sou a minha própria família, o meu próprio apoio. Faço chá, releio as cartas da Maria, às vezes sento-me no banco e observo as outras crianças a brincar. A vizinha, a Ana, acena-me às vezes. Respondo com um aceno de cabeça. É assim que vivo.

Amo o meu filho. Mais do que tudo. Mas já não espero nada. Talvez seja este o destino dos pais deixar ir. Mas ninguém nos prepara para o dia em que nos tornamos supérfluos na vida daqueles por quem vivemos.

E talvez seja isto, a verdadeira maturidade. Só que já não é a do filho. É a do pai.

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